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São João do Meriti forma músicos há mais de 30 anos

São João do Meriti forma músicos há mais de 30 anos.

RIO- Quem passa em frente ao número 536 da Rua Duque de Caxias, no bairro de Vilar dos Teles, em São João Meriti, Baixada Fluminense, percebe que o cotidiano ali é diferente das outras casas da região, a mais densamente povoada do País, mas também uma das mais pobres e desassistidas. A primeira impressão vem da fachada, pintada de amarelo vivo e roxo, mas o que atrai é a música lá de dentro: choros de Pixinguinha, Nazareth e Paulinho da Viola, ou sambas de Cartola, Noel Rosa ou Chico Buarque.

     Quem toca são os alunos da Escola de Música da Associação Movimento de Compositores da Baixada Fluminense, projeto de Bernard von der Weit, militante do grupo Ação Popular (AP) nos anos 70, quando trocou faculdade e debates teóricos pelo contato direto com a realidade que pretendia mudar. São meninos e meninas entre 9 e 17 anos, aprendendo violão, cavaquinho, instrumentos de sopro e percussão, sozinhos e em grupo, sem esquecer teoria e leitura musical. Mais que música, von der Weit quer passar noções de cidadania.

            São João do Meriti não foi um acaso. O município, uma cidade-dormitório sem escolas ou opções de trabalho para os jovens, tinha como bispo dom Adriano Hipólito, líder da Igreja Católica progressista e da resistência à ditadura militar. Von der Weit foi dar aulas em sindicatos e escolas noturnas e levava a música como um hobbie. Entre uma e outra atividade casou-se com Lena de Souza, professora do Estado, desiludida com as condições de trabalho. “A gente fazia de conta que ensinava e os alunos fingiam que aprendiam”, conta Lena. “Há quatro anos, criamos a escola de música do Movimento dos Compositores da Baixada, que Bernard havia fundado nos anos 80. Hoje temos 70 alunos em quatro turmas e mais de 200 ex-alunos, alguns músicos profissionais.”

            Viabilizar a escola foi fácil. Difícil foi convencer pais e professores a matricular os alunos. “As professoras diziam ser impossível ensinar música a quem não aprendia nem a matemática básica. Os pais não viam com bons olhos seus filhos se dedicarem á música, profissão difícil e, segundo eles, mal paga”, lembra Lena. A primeira turma tinha meia dúzia de alunos. “Para mim é uma questão de princípio, desde o tempo de músico amador. Não importa tocar ou da aula para cinco ou 500 pessoas, a qualidade é a mesma”, teoriza von der Weit. “Com o tempo, os alunos vieram e hoje temos um número próximo do ideal. A escola agora precisa melhor qualitativamente.”

            Aí começam as dificuldades. Há dois anos, o Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) deu R$ 153 mil, para a compra e reforma da sede da escola e o dinheiro do aluguel, doações de 30 amigos do casal, virou o salário dos professores. “Ainda falta muito”, minimiza Lena. “Os instrumentos foram comprados ou doados, mas precisamos de uma biblioteca, fundamental para a formação dos músico e do cidadão”, diz ela apontando para os livros amontoados em cima de um piano, a mais recente doação.

            Problemas de disciplina praticamente não existem, embora as cobranças constantes. “Quem chega aqui vem para a aula sem estudar seu instrumento, é chamado a se explicar. Mesmo assim, só tive um caso incontornável, de um rapaz de 16 anos que se recusou a seguir as normas da escola”, conta Bernard. Ele até compreende que os meninos procurem a escola para aprender rap, funk ou axé music, mas diz que lá o estilo é outro. “Nada contra, mas isso eles podem aprender vendo televisão. Aqui, ensino nossa música, nossas raízes. Essa é a nossa militância, pois só assim eles aprendem a cidadania.”

            É preciso se abstrair da música, da temperatura agradável dentro da casa e do entrosamento comovente entre os alunos e os professores Amarildo, Ronaldinho e Coquinho, para lembrar das dificuldades que a escola vai enfrentar nos próximos meses. “O convênio com o governo do Estado, que paga a manutenção da escola, vai acabar e não temos outro patrocinador”, adianta Bernard, confiante em que algo vai acontecer. Ele aprovou na Lei Rouanet, um projeto de R$ 200 mil para levar o projeto de São João do Meriti para Feira de Santana, na Bahia, e o Vale do Jequitinhonha, em Minas Gerais. “O trabalho nessas cidades é mais recente, mas agora meu dinheiro acabou e não posso viajar e promover os festivais de compositores nestas regiões.”

            Mesmo assim, o astral da escola está la em cima. Os meninos e meninas têm aulas de teoria musical, instrumento e execução em grupo duas vezes por semana e ainda recebem reforço escolar porque a maioria tinha problemas nessa área. “Hoje as mães e professoras vêm contar como eles melhoraram o comportamento em casa e o desempenho na escola. Podem não se tornar músicos, mas conheceram um mundo diferente e querem aprender mais”, comemora Lena. Essas reuniões ficam ainda mais animadas no segundo domingo e na última sexta-feira de cada mês, quando acontecem as rodas de samba e de choro da escola. Alunos trazem a família. “Quem quiser chegar ou dar uma contribuição para a escola, é só telefonar (21 2752-8876) que a gente tem o maior prazer em receber”, conclui von der Weit.

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