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A(s) história(s) de amor de Kurt Masur com o Rio

A(s) história(s) de amor de Kurt Masur com o Rio

RIO- O maestro Kurt Masur está no Brasil a trabalho e de férias, ou, como diz, numa “viagem sentimental”. Sábado e domingo, ele rege a Orquestra Sinfônica Brasileira (OSB), no Theatro MUnicipal. No programa, Mozart (Sinfonia nº 4 em Dó Maior) e Bruckner (Sinfonia em Mi Bemol Maior, “Romântica”). Na semana que vem, de segunda a sexta-feira, ele dá master classes para maestros brasileiros e faz mais dois concertos, dia 31 de julho e 2 de agosto, na Sala São Paulo, com a Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo (Osesp).

            Mas o regente das Orquestras Filarmônica de Nova York, Sinfônica de Londres e Nacional da França está no Brasil desde a quinta-feira passada, pois tem aqui fortes ligações afetivas. Aqui, há 30 anos, ele conheceu sua mulher, a cantora e violista Tomoko Masur, então da OSB e é aqui que ele passa férias. Cada vez que vem ao País (a última foi em 2001, para tocar e dar master classes só em São Paulo), aproveita para conhecer um pouco do Brasil. Desta vez, ele foi a Ouro Preto e Tiradentes, cidades históricas de Minas, comemorar o aniversário de casamento. “Era um sonho da minha mulher e me entusiasmou muito o nível cultural daqueles jovens. Foi uma surpresa agradável”, disse Masur gentiu, na entrevista coletiva que deu na segunda-feira passada, logo que chegou ao Rio.

Os elogios se estendem também à OSB, que ele conheceu em 1970, quando veio ao Brasil pela primeira vez. “Houve uma evolução, pois quando cheguei aqui, não conhecia os problemas sociais. Havia um trompetista sempre cansado pela manhã. Depois me contaram que ele precisava trabalhar na noite para se manter. Hoje sei que isso não acontece mais”, contou o maestro. Ele elogiou também o talento dos instrumentistas com quem teve o primeiro contato de manhã. “São jovens, entusiasmados. O encontro foi muito satisfatório. Da outra vez que vim aqui a idade média deles era maior, mas isso é detalhe. Não importa quantos anos tem um músico e sim seu talento e profissionalismo, o que não falta a esse grupo. E também o entusiasmo pela música que toca.”

Por isso ele vai reger Bruckner, compositor austríaco romântico, a pedido da OSB. Segundo o Masur, só é possível porque os músicos são inteligentes e flexíveis, capazes de entender e executar todos os climas que a sinfonia pede. “E são muitos. Bruckner quer os metais soando forte e mistura ambientes. No Quarto Movimento, a orquestra tem que ser litúrgica e recreativa ao mesmo tempo. Enquanto os metais tocam música religiosa, as cordas, recriam o clima da praça em frente à igreja, onde os jovens dançam polca. Nem toda orquestra consegue reproduzir isso”, garante o maestro. Mozart foi uma escolha dele mesmo. “É o ideal para completar o programa, pois mostra uma evolução da música. O público não precisa entender o que tocamos, geralmente poucos na platéia conseguem. Mas é importante que sintam e vejo que, muitas vezes, as pessoas mais pobres sabem mais de música que aquelas que fazem do concerto um evento social.”

Em São Paulo, ele se entusiasma com as master classes, que devem reunir oito maestros à frente da Oesp e 30 como ouvintes. Parece ter sido este o motivo desta sua vinda ao Brasil. “Tudo começou com o maestro Roberto Minczuk (seu assistente na Filarmônica de Nova York). Eu o conheci ainda adolescente, extremamente talentoso, na Alemanha e, há dois anos, ele me convenceu a dar aulas para jovens regentes brasileiros. Dos oito que participaram da aula, sete eram muito talentosos. Por isso, estou aqui de volta para conhecer a nova geração”, diz Masur, que garante gostar tanto de concertos quanto ensinar seu ofício. “Digo sempre que é preciso se inspirar no conteúdo da música e compreendê-lo para reger bem. Não há uma receita, mas é fácil perceber quando um maestro não trabalha bem. Digo sempre que é preciso acreditar no que se faz, porque se você duvida, os cem músicos a sua frente não vão acreditar em você. É melhor errar e ser convincente que ter dúvidas diante de uma orquestra.”

Os músicos da Orquestra Sinfônica Brasileira, que não era regida por Masur desde os anos 80, adoraram o encontro com o maestro, que foge totalmente ao modelo de grande estrela e não tem papas na língua. Diz claramente que os compositores brasileiros (“que me foram apresentados por minha mulher, que os canta divinamente”, ressalta) como Villa-Lobos e Guerra Peixe, não tem uma característica própria, são influenciados pelos europeus. Mas ele faz questão de elogiar a música popular brasileira. “É tão boa que vocês não precisam da erudita. Da última vez que estive aqui, fui num bar da Lapa, no centro da cidade, e vi um rapaz tocar um violão divinamente, o melhor que já ouvi em toda minha vida, um verdadeiro Paganini do violão”, entusiasma-se.

Ele garante que quer repetir a experiência porque gosta do samba e do choro. “Só estou esperando meu filho, que é também músico, chegar para mostrar a ele como vocês fazem são bons nisso.”

Este texto foi publicado como matéria do jornal O Estado de S. Paulo em 27 de julho de 2003.

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