Milton Gonçalves fez Marlene brilhar no sambódromo
Também tenho uma história com Milton Gonçalves. Foi há uns
20 anos, num desfile da Acadêmicos de Santa Cruz, no sambódromo. A escola homenageava
Mário Lago, amigo querido que havia nos deixado há pouco.
Eu estava numa ala, com uma fantasia linda (tipo
melindrosa, verde e branca, que usei depois em muitos carnavais). Na entrada do
sambódromo, encontrei com a cantora Marlene, a preferida da Marinha, grande
estrela do rádio e da televisão a partir dos anos 1950. Ela estava com Cacalo,
filho de Mário Lago que, infelizmente, também já nos deixou.
Viemos conversando e, de repente, eu passei e eles foram
barrados Explicaram que eu estava com a fantasia da escola e eles não. Ninguém
reconheceu Marlene. Argumentei: “Gente, é a cantora Marlene, ‘É a maior!’, a
preferida da Marinha”. Deixaram-na entrar e barraram Cacalo que já estava p…
da vida. Argumentei de novo: “Gente, ele é o enredo, é filho do homem!!!” Aí
Cacalo entrou e se escafedeu no meio da escola.
Sobramos eu e Marlene, que estava sozinha, sem
acompanhante, sem ninguém da Associação Marlenista (seu fã clube que fazia tudo
por ela) e sem ser reconhecida por ninguém. Pior coisa para um artista, né?
Nisso, eu conversando com ela que fingia não se incomodar com o ostracismo.
Nisso surge, Milton Gonçalves na minha frente. Não éramos
amigos, mas nos conhecíamos de algumas entrevistas, estreias de novelas etc.
Ele armava a escola de samba, naquele momento fatal em que é preciso organizar
3 mil pessoas meio bêbadas, muito excitadas para fazer um lindo espetáculo.
Companheiro de muitas lutas artísticas e políticas de Mário Lago, Milton
Gonçalves estava lá pondo a escola na avenida.
Eu o chamei e disse: “Milton, a cantora Marlene já chegou
para participar do desfile”. Não precisamos falar mais nada. Um rápido olhar
dele entendeu que a estrela de outrora, já com seus quase 90 anos, estava
sozinha e perdida, sem ser reconhecida, o que mais machuca um artista,
especialmente se já foi muito famoso. Com sua inteligência e generosidade, ofereceu
o braço e Marlene e disse: “Obrigada por aceitar nosso convite. Seu lugar no
carro alegórico está reservado. Vamos lá”. No caminho, um fotógrafo registrou a
presença dos dois e o ego da estrela voltou a brilhar. Todo mundo ficou feliz.
Precisamos de muitos Miltons Gonçalves nesse mundo.
Ps. – quando contei essa história para minha mãe, alguns
dias depois, ela se espantou: “Pois é, tudo passa na vida, né? Marlene foi a
maior estrela da música brasileira. Andava com um séquito a servi-la”. Ainda
bem que tinha Milton Gonçalves por perto, né?